Pesquisa com refugiados no Brasil aponta boa formação acadêmica e disposição para empreender

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Foto: ACNUR/L. Leite

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e a Cátedra Sérgio Vieira de Melo (CSVM) lançaram pesquisa inédita sobre o perfil socioeconômico dos refugiados no Brasil. Elaborado por professores associados à CSVM por meio de entrevistas domiciliares, o estudo é um marco na produção do conhecimento sobre o tema do refúgio no Brasil e da integração social, educacional e econômica de uma população altamente vulnerável. O relatório traz dados a respeito de escolaridade, perfil laboral, integração social, obstáculos à integração e perspectivas futuras da população pesquisada.

Foram realizadas 500 entrevistas com pessoas refugiadas reconhecidas pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). Essa amostra foi aplicada em 14 cidades, distribuídas em oito Unidades da Federação – São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Santa Catarina, Minas Gerais e Amazonas – que concentram 94% dos refugiados sob a proteção do governo brasileiro. O trabalho de campo foi realizado entre junho de 2018 e fevereiro de 2019.

Os primeiros pontos levantados pelo estudo são as faixa etária e a origem dos pesquisados. 419 deles (88,26%) têm entre 18 e 49 anos e originam-se majoritariamente de quatro países: Síria, República Democrática do Congo (RDC), Angola e Colômbia. Os egressos da RDC, de Angola e da Colômbia são maioria dentre os negros. Os que se declararam brancos são principalmente sírios.

Escolaridade

Os refugiados pesquisados mostraram alto grau de formação escolar. 242 têm Ensino Médio completo, 166 (34,4%) concluíram o Ensino Superior, 15 deles já tendo cursado alguma pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado). Apenas 13 refugiados (2,7%) não haviam completado o Ensino Fundamental, três outros declararam-se analfabetos (0,6%).

Segundo a ACNUR, o importante número de diplomados de nível superior encontra um problema: o alto índice de diplomas não revalidados. Com efeito, foram encontrados apenas 14 refugiados que conseguiram revalidar seus diplomas (em todos os níveis de ensino e em formações profissionais diversas) no Brasil. Esse impasse é refletido nas condições conômicos do grupo e na dificuldade de encontrar empregos de acordo com suas habilidades profissionais.

Renda e moradia

O tipo, a condição e os gastos com moradia evidenciam a situação socioeconômica cotidiana dos refugiados entrevistados, 105 deles vivem em quartos alugados em hotéis, pensões ou residências coletivas, alguns deles em regiões precarizadas.

Dos 395 refugiados que informaram sua renda mensal, 314 entrevistados (79,5%) têm renda inferior a R$ 3.000,00, sendo que 95 deles têm renda inferior a R$1.000,00. Os 20,5% restantes têm renda domiciliar acima de R$ 3.000,00 mensais. Dentre os últimos, apenas 15 refugiados (menos de 4%) declararam renda domiciliar acima de R$ 5.000,00. A baixa renda explica os parcos gastos em atividades essenciais. A principal solução à insuficiência de renda é trabalhar mais para 38,8% dos entrevistados informantes.

Mercado de Trabalho e Empreendedorismo

A grande maioria dos entrevistados está trabalhando (280 ou 57,5%). No outro extremo, 95 refugiados (19,5%) estão procurando trabalho – índice de desemprego bem mais elevado do que a média nacional – enquanto que 28 entrevistados (5,7%) estão desocupados, ou seja, não estão empregados nem estão procurando emprego. Finalmente, 42 refugiados estão fazendo “estudos” e, portanto, não estão trabalhando nem procurando emprego e sustentam-se com recursos próprios ou são mantidos por familiares e/ou amigos.

Em relação aos 280 entrevistados que estão envolvidos em algum tipo de atividade laboral, foi verificada uma pequena proporção de 20 entrevistados (4,1%) empregando um ou mais trabalhadores em sua atividade empresarial, normalmente no comércio. Além disso, 87 refugiados (17,9%) trabalham “por conta própria”. Ao total, são 107 refugiados (22%) em atividades empresariais. Segundo a ACNUR, esse dado demonstra que o empreendedorismo não é apenas um sonho, mas uma realidade, e que a integração dos refugiados à realidade sócioeconômica brasileira é um processo em curso.

A disposição em empreender foi afirmada por 386 entrevistados (79,3%) contra 101 (20,7%) que não desejam fazê-lo. Analisando os fatores que “poderiam dificultar ou dificultam” o empreendimento foi apontada a “falta de recursos financeiros como o principal obstáculo. A “falta de apoio técnico” e o “desconhecimento sobre como abrir um empreendimento” também foram destacados. Finalmente, há o problema do idioma e o fato de ser estrangeiro, o que revela a pouca integração dos refugiados na sociedade brasileira.

Sobre refugiados no Brasil

De acordo com os dados do CONARE, do Ministério da Justiça, até o fim de 2018 o Brasil já havia reconhecido 10.522 refugiados provenientes de 105 países, tais como Síria, República Democrática do Congo, Colômbia, Palestina e Paquistão. O reconhecimento como refugiado é fundamentado por situações de fundado temor, perseguição relacionada a raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou opinião política. Destes, 5.134 continuam no país na condição de refugiado, sendo que 52% moram em São Paulo, 17% no Rio de Janeiro e 8% no Paraná. Atualmente, a população síria representa 35% da população refugiada com registro ativo no Brasil.

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