Criada há 10 anos, Pontes de Amor oferece treinamentos para famílias que pretendem adotar e presta apoio aos jovens
O processo de adoção no Brasil é bastante demorado. Atualmente, existem cerca de 5 mil crianças aptas a serem adotadas e 30 mil famílias na fila de espera. Isso porque grande parte prefere crianças brancas, menores de quatro anos e sem doenças crônicas ou deficiências. Além do tempo de espera e diversas etapas até o processo se concluir, existem casos em que as crianças são devolvidas. Os motivos são os mais diversos, mas que geralmente se resumem a não adaptação, o que acaba causando traumas nas crianças.
A necessidade de uma preparação de todos os envolvidos na adoção é um dos motivos que fez com que a Pontes de Amor fosse criada. Sara Vargas e Rodrigo Rangel são pais de quatro jovens, sendo que três meninas são filhas adotivas. Eles perceberam o quanto a preparação era importante, então, em 2012 decidiram fundar a organização, que presta apoio a pessoas que querem fazer adoção e à crianças, além de defender todas as lutas que envolvem a causa.
“Nessa caminhada nós fomos vendo o quanto era importante o preparo adequado da família e da criança e o acompanhamento pós-adoção, para que não corresse o risco de ter crianças devolvidas. Naquela época, os números de devolução no Brasil eram muito altos, o que nos incomoda até hoje, porque criança não é um objeto ou uma mercadoria para pegar, fazer o teste drive e não dar certo. Não é assim que funciona”, afirma a fundadora da Pontes de Amor.
O que era apenas uma ideia dos pais adotivos se tornou algo muito maior. Em junho do mesmo ano, o casal resolveu reunir amigos e mostrar a proposta, logo, começaram a ter encontros mensais. As reuniões sempre tinham a presença de um facilitador, que falava sobre temas variados, como: adoção, realidade da criança, adolescente institucionalizado, relações familiares entre outros.
Na primeira reunião viram que aquilo deveria ser uma Organização da Sociedade Civil (OSC), então, fizeram a ata e já constituíram a diretoria. Com o sucesso do projeto, publicaram nas redes sociais que estava nascendo em Uberlândia-MG a Pontes de Amor, um grupo de apoio à adoção e à convivência familiar e comunitária e surgiu muita gente interessada em participar do projeto. A partir de então, as reuniões passaram a ter cerca de 35 pessoas.
Organização atua em três eixos
O trabalho da Pontes parte do princípio de que toda criança tem e deve exercer o direito de crescer e se desenvolver numa família que cuida, nutre, protege e potencializa o desenvolvimento integral. Para que isso aconteça, a organização atua em três eixos. O primeiro é o do conhecimento, no qual cursos, treinamentos, eventos e congressos são realizados, sempre trazendo informações para que as famílias e profissionais compreendam a realidade da criança e do adolescente que sofreu abuso, negligência, violência ou abandono. Toda a formação é pensando no adulto que conseguirá desempenhar melhor seu papel, garantindo o direito à convivência familiar adequada para a criança ou o adolescente.
“O segundo eixo é da convivência familiar, em que a gente prepara as famílias para adoção, oferece apoio psicológico, social e jurídico. Desenvolvemos também a busca ativa de famílias que já estão habilitadas para adoção e quem têm o perfil mais amplo da criança que pretendem adotar”, explica Sara. O terceiro e último eixo é o da criança e do adolescente. Nessa etapa são desenvolvidos projetos educativos e de desenvolvimento, tanto com crianças e adolescentes que estão no acolhimento quanto com as que já estão nas famílias.
Projeto Legado foi divisor de águas
A Pontes de Amor passou pela aceleração do Projeto Legado em 2016 e foi a ganhadora do Prêmio Legado. “Depois do Legado mudou muita coisa. Nos ajudou a rever toda nossa identidade institucional e nos trouxe muitas ferramentas de gestão do terceiro setor. Chegamos sem planejar ter uma empresa e de repente tínhamos uma empresa na mão. Então, a gente aprendeu e amadureceu muito com o Legado, tanto que a Pontes cresceu absurdamente. Conseguimos construir nossa nova sede e hoje somos uma referência nacional no que fazemos e a nível internacional, representamos o Brasil”, destaca Sara.
Além da abertura da nova sede e repaginação na identidade da organização, a parte profissional também sofreu mudanças. Os três eixos que a Pontes de Amor atua hoje, foram decididos durante o programa do Instituto Legado. As partes jurídicas e contábeis passaram por uma reorganização que fez com que a prestação de contas melhorasse. Após a aceleração, a instituição passou a ter novos parceiros, receber subsídios e até mesmo ganhar editais. Para a idealizadora da Pontes, o Projeto Legado foi uma virada de chave.
Plano de expansão segue ativo e gerando frutos
Ao final de cada Projeto Legado, as iniciativas devem traçar um plano de expansão. O da Pontes foi o projeto chamado Trilhas Para Autonomia, cujo objetivo é levar atendimento aos adolescentes acolhidos e prestes a fazer 18 anos, para que eles se desenvolvessem entendendo sua identidade, valor e propósito. A ideia surgiu porque, ao completar a maioridade, o adolescente tem que sair do acolhimento e a partir de então não terá mais o suporte do abrigo, além de muitos não possuírem contato com familiares e não terem formação para ingressar no mercado de trabalho.
O Trilhas Para Autonomia traz apoio psicológico e psicopedagógico e prepara o jovem para o mercado de trabalho por meio de um programa de aprendizagem. A busca por padrinhos afetivos também faz parte do plano e insere esse adolescente em uma rede de apoio ao sair do abrigo. O projeto começou a ser executado em 2016 e logo em seu primeiro ano realizou, em média, cinco mil atendimentos. Os anos seguintes também foram excelentes. Atualmente, a organização já realizou mais de 26 mil atendimentos.
Prestes a completar dez anos de existência, a Pontes de Amor faz o que cumpre: é uma ponte entre o abandono e o amor, mudando vidas e permitindo que crianças, jovens e famílias reescrevam suas histórias. Para Sara, um dos casos mais marcantes foi o de quando eles encontraram um lar para uma criança que estava vulnerável e sofrendo agressões. “Tivemos uma criança que estava sofrendo violência, maus tratos e envolvida em cenas de ocultismo por parte da família extensa. A Pontes foi chamada para conseguir uma família para essa criança, conseguimos e ela se vinculou de uma forma surpreendente com esse casal que já tinha sido preparado por nós. Oferecemos todo o apoio no pós-adoção e hoje essa criança é uma das mais felizes que a gente conhece”, relembra.
Para o futuro da Pontes de Amor, muitos são os projetos, inclusive a produção de um podcast. Atualmente, o foco é investir em formações e treinamentos para que a rede profissional, de educação, pais, cuidadores e profissionais do acolhimento entendam melhor a realidade das crianças, explica a fundadora da organização. “Trazer essa noção do impacto que os traumas geram na criança e no adolescente que vive situações graves de vulnerabilidade e como nós, adultos, podemos interagir com esses jovens para que possam ressignificar isso tudo e se desenvolver de acordo com seu potencial. Nosso foco está nisso”, finaliza.
Gostou de conhecer uma das iniciativas que passaram pelo Projeto Legado? Confira outras histórias na série Legado 10 anos.