“Vocês enxergam quem é invisível…” – foi o que disse Dona Irene, moradora do Jardim Independência, em São José dos Pinhais, após inaugurar seu novo lar construído em conjunto com voluntários da ONG TETO – organização formada por jovens voluntários que tem por objetivo a defesa dos direitos das favelas mais precárias da América Latina, para superação da situação de pobreza por meio do trabalho conjunto entre moradores destas favelas e jovens voluntários.
Dona Irene não é a única “invisível” na Região Metropolitana de Curitiba. A capital paranaense reconhecida nacionalmente e internacionalmente como referência em mobilidade, limpeza, meio ambiente e desenvolvimento, também está entre as 50 cidades mais desiguais do mundo, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos de 2012 (ONU – Habitat), porém, pouco se fala sobre a pobreza na capital paranaense e região. Quando a TETO iniciou sua expansão para o estado, muito questionou-se sobre a necessidade de atuação na região, afinal, “não existe favela em Curitiba”, como dizem por aí. Porém, em dois anos de atuação no estado, só na região metropolitana de Curitiba mais de 80 comunidades precárias foram visitadas e catalogadas pela organização que hoje atua de maneira constante em seis localidades de Curitiba, São José dos Pinhais e Colombo com projetos visando o fomento ao desenvolvimento comunitário, como: construção de moradias de emergência, biblioteca, sedes comunitárias, mutirões de limpeza, projetos de educação dentre outros.
Mas então, se há dados de que há pobreza e há favelas em Curitiba e região, de onde vem essa invisibilidade? Seria apenas falta de conhecimento ou negação de uma realidade que está aí e mais próxima do que imaginamos?
Três das seis comunidades onde a TETO atua de maneira constante no estado hoje, encontram-se dentro de perímetro urbano de Curitiba e muito próximas ao centro da capital. São elas: Morro do Sabão e Cidade de Deus, localizadas no bairro Parolin e a menos de 10 minutos do centro de Curitiba e cortada por ruas importantes da cidade como Av. Brigadeiro Franco e Lamenha Lins; e Portelinha, localizada no bairro Santa Quitéria, cercada por condomínios de classe média e a 15 minutos do centro da cidade. Além da invisibilidade da sociedade e poder público, estas três comunidades, como tantas outras no Brasil, sofrem com a privação de direitos básicos garantidos por lei como saneamento, educação, saúde de qualidade, moradia e outros.
Em pesquisas socioeconômicas realizadas pela ONG TETO nestes locais em 2015 e 2016, verificou-se que cerca de 26% dos moradores das comunidades mencionadas não sabem ler ou escrever e apenas 1% chegou até o nível superior ou técnico de formação. Nas comunidades do Parolin, mais de 55% das casas não possui abastecimento de água regular e em 65% das casas utilizam “gatos” para ter acesso à energia elétrica – ligações irregulares. Ainda nestas comunidades, cerca de 56% da população economicamente ativa desenvolve alguma atividade remunerada porém, destes, apenas 35% tem carteira assinada e 40% ganham até R$440,00 para sustentar sua família. Na Portelinha, cerca de 70% da população economicamente ativa desenvolve atividade remunerada, porém, metade destes com carteira assinada e cerca de 30% recebem menos de um salário mínimo. Dentre as pessoas que não possuem carteira assinada, grande parte trabalha como coletores de reciclagem nas ruas de Curitiba – como Dona Irene, mencionada no início deste texto – caminhando diariamento dezenas de quilômetros para coletar materiais recicláveis, basta observar nas ruas da cidade o número de carrinhos de reciclagem circulando diariamente ou mesmo no seu condomínio ou casa: boa parte do lixo reciclável é coletado por eles e, quase sempre, passam despercebidos pelas demais pessoas, ainda que (com muito esforço físico e sujeitos a inúmeros problemas de saúde) estejam realizando um trabalho digno e de muito valor para toda a sociedade e para que Curitiba mantenha-se como referência em limpeza e meio ambiente. No quesito habitação, cerca de 68% das casas são precárias nas comunidades do Parolin e 44% na comunidade Portelinha – um dos indicadores que justifica o trabalho da TETO nestes locais que tem como carro chefe da organização a construção de moradias de emergências para famílias que vivem em situação de risco.
Estes são apenas alguns dados que mostram o tamanho do problema a ser enfrentado e de que a pobreza está muito próxima e merece a devida atenção e visibilidade para ser superada. A ONG TETO trabalha de maneira propositiva na sociedade, fazendo um chamado a todos para tornarem-se agentes de transformação e atuarem na mudança desta realidade, sejam como voluntários ou apoiadores – empresas, sócios (AMIGOS DO TETO), ou mesmo outras organizações parceiras como o Instituto Legado que foi fundamental para a capacitação e crescimento sustentável da organização no estado.
Todos podem fazer parte da mudança. Negar a existência das favelas ou mesmo fingir não enxergá-las por “não ser parte do problema”, é negar uma realidade de urgência a que todos pertence a responsabilidade por sua existência. É negar a existência de muitas outras “Irenes” por aí e obrigá-las a continuar vivendo na invisibilidade.
*Aline Tavares é engenheira ambiental formada pela UFPR e com especialização em Administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Atua na ONG TETO desde 2012 e há dois anos é Diretora da Sede TETO Brasil Paraná, uma das organizações capacitadas e financiadas pelo Instituto Legado de Empreendedorismo Social. O Instituto Legado é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.