Semelhante à “casa de Vinícius de Moraes”, aquelas eram casas que não tinham teto, não tinham nada. Contudo, não eram nada engraçadas. E embora tivessem chão e parede, dignidade não tinha ali. Ainda assim, por absoluta falta de alternativa, havia (e há) milhares de ‘ninguéns’ que insistem em viver ali. Mas não podem. Não podiam e ainda não podem. No Chile, no Brasil e em quase todo o mundo, em diferentes proporções, a desigualdade que se camufla nos centros urbanos pode ser descoberta nas periferias e retratadas pelas condições de moradia. Em busca de teto para os pobres e de um remédio para a desigualdade existe a TETO.
Uma América Latina mais justa. Esse é o objetivo que une mais de um milhão de jovens voluntários. A história da TETO, ou melhor, da TECHO, começa em espanhol, no fim do século XX. Em 1997, um grupo de jovens chilenos começou a trabalhar com o sonho de superar a situação de pobreza em que viviam milhões de pessoas. A organização latino-americana nasceu do interesse de um grupo de universitários liderados por um professor que objetivava criar uma capela como espaço de convivência para uma comunidade chilena. Mas a capela não era o suficiente para remediar a pobreza. Então nasceu o sonho de se trabalhar pela superação da miséria com a construção de moradias emergenciais. “A gente nasceu no sentido de tirar o jovem universitário, que tem uma situação boa, da sua situação de conforto para jogar numa realidade diferente, para ele se conscientizar daquela realidade”, resume Marcelle Borges, arquiteta e urbanista, que era diretora Diretora da TETO Paraná em 2015, quando a organização participou do Projeto Legado.
Quase dez anos mais tarde, a TECHO, que se espalhou pelas nações latino-americanas, chegou às terras brasileiras, em 2006. Nesta época o movimento ainda se articulava em torno do propósito de sanar o problema da moradia precária. Contudo, os anos de amadurecimento da organização inspiraram os jovens a “elaborar planos de desenvolvimento em conjunto com os moradores dessas comunidades, a fim de alcançar soluções concretas frente a multidimensionalidade da pobreza”.
Assim, em 2012 o escopo foi ampliado a partir da compreensão de que apenas a atuação na área da moradia não seria suficiente para as demandas sociais que emergem do contexto de desigualdade social evidenciado nas favelas. Desde então a intenção tem sido trabalhar de forma mais constante, atuando com mobilização comunitária, trabalhando em conjunto com os moradores e engajando-os como protagonistas de sua realidade imediata, com formação de suas capacidades de solução. A ONG é apartidária, mas não apolítica e defende a garantia dos direitos daqueles que vivem nas favelas.
A TETO está presente em 19 países da América Latina. No Brasil, são quatro unidades atuantes. O primeiro estado a sediar a TETO – Brasil foi São Paulo. O Rio de Janeiro só ingressou no movimento sete anos mais tarde, em 2013. No ano seguinte a Bahia fundou sua sede, seguida por Paraná, que em 2015 inaugurou o escritório em Curitiba.
Foi um movimento intenso desde 2011, quando um pequeno grupo de voluntários do Paraná participou das primeiras atividades, a Construção Latino-americana. Com o apoio da Universidade Federal do Paraná, o envolvimento nas demandas em São Paulo se tornou recorrente. Em 2013 começaram as primeiras discussões sobre a possibilidade de instalar um escritório da TETO em Curitiba. “Demandou muita insistência dos voluntários, pois precisávamos demonstrar, com números, as reais necessidades das comunidades da região de Curitiba”, recorda Marcelle.
Para análise e maturação da proposta por parte do escritório nacional, foi necessária a apresentação de um diagnóstico de assentamentos na Região Metropolitana de Curitiba. Ainda no fim de 2014 o grupo obteve êxito em uma ação de coleta e arrecadou R$ 24 mil, reunindo cerca de 350 voluntários em 18 esquinas da “capital social” que tão bem camufla suas mazelas debaixo de títulos de marketing nem tão fiéis à realidade.
Junto da fundação, a TETO Brasil – Paraná também recebeu a chance de participar do Projeto Legado 2015 e consolidou-se como organização social. “Foi o movimento de sair do ambiente de engenharia e arquitetura para se aproximar do setor social e entender questões organizacionais”, explica Marcelle. “Foi um aprendizado muito grande e não foi um impacto só local, mas um impacto nacional que acabou gerando para gente”. As estratégias aprendidas no Projeto Legado proporcionaram que a TETO praticamente dobrasse o número de construções em 2016, atingindo mais comunidades.
Embora o trabalho seja majoritariamente não remunerado, o sentimento geral é de retribuição pelo que receberam, seja pelo lugar de privilégio ocupado na sociedade ou pela gratidão por ser beneficiado por uma ação social.
Texto: Ester Athanásio
Imagem: Divulgação TETO PR