Bicicletaria Cultural oferece apoio ao ciclista e promove discussões sobre ciclomobilidade. A iniciativa foi premiada no Projeto Legado 2014 e continua em expansão
Foi pela fresta do portão de um imóvel que estava para alugar que começou o sonho da Bicicletaria Cultural e da Ciclo Iguaçu, iniciativas que apoiam ciclistas, fomentam e defendem a ciclomobilidade em Curitiba. Fernando Rosenbaum e Patrícia Valverde Pereira, idealizadores da iniciativa, se conheceram em 2010 e sempre que passavam pelo endereço o coração batia mais forte.
“O Fernando se sentiu provocado a ter um lugar seguro para estacionar as bicicletas. Com o portão fechado a gente só conseguia ver o que tinha por uma fresta e ela dava pra uma rampa, então, já era um lugar onde a gente podia criar um estacionamento e ser um ponto de encontro”, relembra Patrícia.
O negócio só passou a existir em 2011, mas seus ideais nasceram bem antes. Fernando atuava como artista plástico e arte educador no “Interlux Arte Livre”, um coletivo de artistas de Curitiba que promove intervenções urbanas e usa a bicicleta como meio de transporte. Já Patrícia trabalhava com produção cultural e performance entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Unindo a experiência com performances artísticas, o cicloativismo e as demandas que já existiam no coletivo, a dupla Fernando e Patrícia viu a necessidade de formalizar os projetos que já vinham sendo sonhados. “Vimos nascer três forças. Uma força é o Ciclo Iguaçu, a outra é a bicicletaria e a terceira é o advocacy, que é o quanto a gente já conseguiu como pauta de ciclomobilidade”, explica a idealizadora.
Tanto se fala nos projetos, mas afinal, o que são eles? A Bicicletaria Cultural é um espaço de apoio aos ciclistas. Passando por lá, é possível encontrar a Ciclo Iguaçu, uma oficina mecânica, cursos de mecânica – para aprender a como mexer na própria bike -, estacionamento para as bicicletas, vestiário com ducha, aluguel de bicicletas e até bicicletas comunitárias. Você pode alugar o equipamento por horas ou o dia inteiro, já nas comunitárias é por um tempo mais ampliado.
Essa nova modalidade de aluguel surgiu com a necessidade do público, como explica Patrícia. “A gente viu que existe um perfil de estudantes e intercambistas que às vezes só alugar não resolvia e comprar também não precisava, eles precisavam da bicicleta só por um tempo. Então, chegam bicicletas doadas de condomínios e parques e a pessoa paga a reforma dessa bicicleta e pode usar por quatro meses”.
A Ciclo Iguaçu é o braço de mediação entre a comunidade e o setor público que tem sede dentro do espaço da bicicletaria. “Na sede da Ciclo Iguaçu estão muitas das informações, reuniões, leis que estão sendo debatidas, projetos, indignações ou se precisa mobilizar pessoas para alguma coisa. Então, além de ser um espaço de apoio ao ciclista, ela tem uma estratégia de mobilização”, explica.
Agora que entendemos a parte da bicicletaria, vamos para a cultural. A Bicicletaria é um “espaço estratégico de contaminação de interesses”. É assim que os idealizadores definem o espaço, isso porque o negócio conta com uma ampla agenda com teatro, música, oficinas, galeria de arte e ateliê. “A gente se vê mesmo como um hub. A pessoa vem pela bike e acaba curtindo a agenda cultural, mas também tem gente que vem pela agenda cultural e se insere no campo da mobilidade, se informa e até vem andar de bicicleta”.
Negócio inovador
“Atualmente, enxergamos o negócio como inovador e podemos falar que “deu certo”, mas no início não foi bem assim. O sonho de ter um espaço de apoio ao ciclista e integração entre a arte e a bicicleta era visto como loucura para amigos próximos do casal e até mesmo dado como inviável nas pesquisas mercadológicas. Afinal, quem vai pagar para estacionar uma bicicleta? Essa facilmente foi uma frase ouvida milhões de vezes. “De fato, acho que estávamos impulsivos e teimosos, mas por parte visionários, porque sabíamos que precisava de um espaço de apoio aos ciclistas”, afirma Patrícia.
Quando o espaço foi aberto, alguns amigos do casal fizeram a adesão espontânea, além de professores que levaram seus alunos para estudarem e entenderem a história e a imprensa, que acompanhou de perto a proposta para a cidade. “A bicicleta estava muito próspera politicamente, com um forte debate público falando sobre a segurança no trânsito e bicicleta. Vimos os setores se abrindo para um espaço como esse”, conta.
Projeto Legado 2014
Em agosto de 2022 o espaço onde está a Bicicletaria Cultural completa 11 anos, mostrando que pessoas pagariam para estacionar suas bicicletas. Mas para chegar até onde estão hoje, os idealizadores passaram por diversas etapas e tiveram que se especializar em algumas áreas. Em 2013, a iniciativa participou do Projeto Legado e foi uma das cinco vencedoras do Prêmio Legado, levando para casa o valor de R$ 20.000,00.
“Graças ao Legado a gente entendeu que a nossa configuração é diferente de qualquer outra loja que visa lucro. Temos reconhecimento como negócio de impacto social. Visamos sustentabilidade e reforçamos nossas próprias práticas, mas também para manutenção de quem se dedica a ela. O Legado é impressionantemente dinâmico, atento e generoso com iniciativas”, declara a empreendedora.
Fernando e Patrícia afirmam que foi após o Projeto Legado que entenderam o que estavam fazendo e qual sua localização e nomenclatura no ramo do empreendedorismo. “O Legado nos deu uma base muito sólida para podermos entender e estudar. A gente vê que sustentabilidade não é só ser sustentável, chega uma hora que tem que gerar uma reserva para que, em alguma hora, possamos investir estrategicamente”, afirma Patrícia.
Foi também com o Projeto Legado que o termo “empreendedores sociais” entrou no vocabulário do casal e eles passaram a entender a bicicletaria como um negócio de impacto social. “Até você conseguir se encaixar você não sabe muito bem se definir, embora o teu trabalho continue com uma potência e continue atendendo com qualidade e compromisso, às vezes você não consegue se sintetizar”.
O plano de expansão apresentado no Projeto Legado foi dividido em duas partes. O projeto para o espaço surgiu quando o casal se deu conta que faziam 180 eventos por anos e todos os dias entravam cerca de 70 pessoas na bicicletaria, mas que eles não tinham esses dados ou sequer sabiam quem eram essas pessoas. Para resolver o problema eles precisavam de um sistema que gerasse uma base de dados eficiente e que conseguisse juntar todas as informações de quem eram as pessoas e o que faziam ali.
O projeto da Ciclo já era um pouco menor. Precisava-se de uma gestão de voluntários. Na época, eram cerca de 300 pessoas que atuavam voluntariamente na ciclo, então, precisavam saber quantas e quem eram essas pessoas. Agora, a iniciativa conta com cerca de 30 pessoas atuando de forma voluntária e focadas na ciclomobilidade.
O espaço da Bicicletaria Cultural é hoje uma força de impacto em Curitiba
“Acho que estamos num momento bastante decisivo. A bicicletaria conseguiu impactar o espaço onde ela está. Ela tem na frente a praça de Bolso de Ciclista, o que é um grande desafio, porque se vemos como zelador de um espaço público bastante complicado. Tem diálogo e conflitos inclusive com o poder público, mas ela tem provas de que não precisa se autoafirmar mais – não que ela precisasse antes -, mas ela tem uma prova de impacto na cidade”, avalia Patrícia.
Para Fernando, o momento é de engajar mais ainda as atividades que já são desenvolvidas no espaço. “Trabalhar com tecnologia social de recebimento das pessoas que utilizam o espaço para estacionar, participar dos eventos culturais ou de cursos, alimentação e aos poucos partir para uma ampliação do horário e atendimento. Expandir as bicicletas comunitárias e criar uma portaria remota para atender pessoas em horários diferentes através do acesso remoto”, finaliza o empreendedor.
Confira a série comemorativa de 10 anos do Projeto Legado e conheça histórias de quem já passou pelo programa de aceleração.
Texto: Sabrina Fernandes
Fotos: Theo Marques